terça-feira, 24 de maio de 2011

MAIS UMA VITÓRIA DA ASSESSORIA JURÍDICA DA ABSMSE NOS TRIBUNAIS DE SERGIPE

   Graças a Deus e a competência da assessoria juridica da ABSMSE, foi julgado improcedente o pedido do Ministtério Publico para retirar do serviço publico um dos nossos sócios JUAREZ MEDRADE que estava sendo acusado desde 2005 pelo crime de improbidade administrativa e com possibilidades de perda da função de policial militar. Veja abaixo a setença:



Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe
Gerada em
21/05/2011
23:50:24


Carira
Av. Aroldo Chagas, S/N - Centro

Sentença
Dados do Processo
Número
200565020543
Classe
Acao Civil Pública
Competência
CARIRA
Ofício
único
Guia Inicial
200611000002
Situação
JULGADO
Distribuido Em:
15/12/2005
Local do Registro
CARIRA
Julgamento
19/05/2011

Dados da Parte
Autor
MINISTÉRIO PÚBLICO DE SERGIPE

Reu
ANDRÉ MOURA MENEZES
Pai: JOÃO MATOS DE MENEZES
Mae: DEILDA MOURA DA SILVA MENEZES
Advogado(a): ANDRE LUIZ ANDRADE MACIEL - 3643/SE
Advogado(a): IGOR FABRÍCIO VALENÇA MENEZES - 5248/SE
Reu
JOSÉ OBETÂNIO DOS SANTOS
Pai: MANOEL ALVES SANTOS
Mae: MARIA JOSÉ FERREIRA SANTOS
Advogado(a): ADEMILSON CHAGAS JUNIOR - 2563/SE
Advogado(a): MARCUS VINÍCIUS DE ALENCAR MENDONÇA - 3711/SE
Advogado(a): ADALBERTO BENIGNO DO ROSÁRIO - 4772/SE
Advogado(a): IGOR FABRÍCIO VALENÇA MENEZES - 5248/SE
Reu
JUAREZ MEDRADE DOS SANTOS BARRETO
Pai: NÃO DECLARADO
Mae: NÃO DECLARADO

Advogado(a): IGOR FABRÍCIO VALENÇA MENEZES - 5248/SE
I. RELATÓRIO
O Ministério Público Estadual ingressou com Ação Civil Pública em face de JOSÉ OBETÂNIO DOS SANTOS, JUAREZ MEDRADE DOS SANTOS BARRETO e ANDRÉ MOURA MENEZES, alegando, em síntese, que, no dia 1.º de novembro de 2005, por volta das 11h00, os réus torturaram o preso DIEGO FREITAS, constrangendo-o, mediante violência e grave ameaça, consistentes em chutes, pontapés, inclusive com colocação de sacos plásticos em sua cabeça, a fim de interromper-lhe temporariamente a respiração, e em ameaças de morte, tudo para que a vítima confessasse a prática de furto, causando-lhe sofrimento físico e mental. Narra a inicial que DIEGO havia sido preso no dia 30 de outubro de 2005, por volta das 21h00, por JUAREZ, ANDRÉ e SIDICLEY, em cumprimento a mandado de prisão, em razão de ter sido decretada sua custódia cautelar, tendo sido espancado e colocado no porta-malas do carro de ANDRÉ, e levado à Delegacia, onde continuou apanhando, inclusive houve um disparo em direção à vítima que atingiu a parede do corredor das celas, fazendo um buraco.
Segue a petição do MP informando que, na terça-feira, dia 1.º de novembro de 2005, JOSÉ OBETÂNIO mandou que ANDRÉ retirasse DIEGO da cela, e tentou extrair a confissão do preso, quanto à prática do furto, e que se ele não admitisse, seria utilizada a bolsa plástica em sua cabeça, o que foi efetivamente feito, minutos depois.
O “Parquet” menciona que, devido aos gritos de DIEGO, populares cercaram a Delegacia, o que fez com que os torturadores parassem, sem antes JOSÉ OBETÂNIO anunciar à suposta vítima que, se à noite não houvesse a confissão, iria matá-la.
Segundo a exordial, os demais presos que se encontravam na Delegacia foram ouvidos, e confirmaram ter escutado gritos, gemidos, barulho de pancada e pedidos de socorro, vindos do dormitório, e que foram ameaçados pelo policial MEDRADE para que não falassem nada a respeito do que viram e ouviram. Na versão do órgão ministerial, também o advogado de DIEGO, DR. JOHN, viu seu cliente muito machucado e apavorado.
O Ministério Público disse que os réus teriam cometido o crime de tortura (Lei 9.455/2997, art. 1.º, I, “a”, combinado com o § 4.º, do mesmo artigo, e com o art. 29, do CP), pelo qual já haviam sido denunciados, e que suas condutas consubstanciavam, também, ato de improbidade administrativa, consoante previsão do art. 11, “caput” e inciso I, da Lei 8.429/1992, pedindo a aplicação das sanções do art. 12, III, da mesma Lei.
A inicial se fez acompanhar do Procedimento Criminal 01/2005 e do Inquérito Civil n.º 50/2005 (fls. 13/69).
Por este Juízo, foi concedida a liminar, para afastamento dos réus de suas funções (fls. 71/78).
Manifestação de JOSÉ OBETÂNIO às fls. 84/86, negando o cometimento da prática de tortura. Na mesma linha, a defesa de ANDRÉ MOURA e JUAREZ MEDRADE (fls. 88/90).
Tendo sido oposta exceção de suspeição, o feito foi suspenso (fl. 111).
O E. Tribunal de Justiça de Sergipe negou provimento ao agravo de instrumento interposto pelos réus, no que tange à decisão que determinou seu afastamento (fls. 115/274).
O RMP e o Juízo entenderam desnecessária a instrução (fls. 277/278), com o traslado das provas produzidas no processo criminal movido contra os demandados, pelo mesmo fato, sendo que referidas provas emprestadas encontram-se às fls. 285/370.
Entretanto, nova manifestação do órgão ministerial entendeu que o feito deveria ser chamado à ordem, com o recebimento formal da inicial e a oportunidade de citação dos demandados (fls. 374/376).
A inicial foi, então, recebida em 28 de julho de 2008 (fl. 378).
Contestação de JUAREZ MEDRADE e ANDRÉ MOURA às fls. 387/389, argumentando que a solução do presente feito deveria aguardar a decisão no procedimento criminal instaurado contra os réus, e que não houve a prática de qualquer ato de improbidade.
A peça defensiva de JOSÉ OBETÂNIO encontra-se às fls. 401/403, negando, igualmente, o cometimento de ato de tortura e, consequentemente, de improbidade, juntando resultado do julgamento do recurso criminal interposto contra a sentença que o havia condenado no primeiro grau, absolvendo-o (fls. 404/417).
Instado a se manifestar, o RMP disse que não haveria influência da decisão criminal na esfera cível, quando o fundamento da absolvição se desse na falta de provas à condenação (fls. 419/420).
Decisão do TJSE, não conhecendo o recurso interposto por JOSÉ OBETÂNIO, acerca do prosseguimento, determinado por este Juízo, da ação (fls. 482/484).
Fracionamento e inversão da ordem da instrução à fl. 546, com a colheita do depoimento de algumas testemunhas arroladas pelos réus.
Em audiência, foi levantada questão prejudicial, pelos réus, qual seja, o julgamento do Recurso Interposto pelos demandados, em relação à sua condenação na ação penal, concluindo os Desembargadores pela sua absolvição (fls. 658/671).
Parecer do Ministério Público às fls. 675/713, negando a argumentação levantada pelos réus.
Informação da morte de DIEGO DE FREITAS às fls. 718/720.
Juntada de documentação, pelo Ministério Público, às fls. 761/813.
Audiência de instrução às fls. 857/858, com colheita de prova oral – testemunhas arroladas pelo MP, pela Defesa, e depoimentos pessoais dos demandados.
Em alegações finais, às folhas 859/863, o Ministério Público protestou pela condenação dos réus nos termos da inicial.
A defesa de JOSÉ OBETÂNIO, às fls. 865/879, arguiu, preliminarmente, a ausência de justa causa ao prosseguimento da ação, uma vez que o caso já teria sido processado e julgado na esfera criminal, com a consequência da absolvição dos réus. No mérito, argumentou que a ausência do exame pericial na suposta vítima, DIEGO DE FREITAS, impossibilitaria o reconhecimento do ato de improbidade, pugnando pela improcedência do pedido.
Na mesma linha as alegações finais de JUAREZ MEDRADE e ANDRÉ MOURA (fls. 880/894).
Após, vieram-me os autos conclusos.
II. FUNDAMENTAÇÃO
Inicialmente, registro que, embora formalmente a alegação do Ministério Público esteja correta, isto é, as esferas cível e criminal são independentes, não havendo influência no cível do julgado no crime, quando a absolvição se dá por insuficiência de provas (CPP, art. 66), a verdade é que soa estranho, beira a esquizofrenia, que uma questão já submetida à segunda instância, que decidiu, com força de coisa julgada, pela ausência de provas suficientes à condenação dos réus, no que pertine à acusação de tortura, seja rediscutida no cível.
Isso porque não chegamos, ainda, no tempo em que a simples intenção de lesar princípios da Administração Pública configura ato de improbidade. Exige-se que essa lesão se concretize mediante a prática de condutas. E essa prática deve ser devidamente provada, tendo em vista as graves consequências que o reconhecimento da prática de um ato de improbidade representa ao réu. Noutras palavras, não se admite que elementos extra-autos fundamentem um julgamento (não basta a verdade sabida; requer-se a verdade provada), sob pena de se fazer tábula rasa das garantias do Estado Democrático de Direito.
Não obstante, em obediência à previsão legal, e em razão dos valores envolvidos, entendi por bem dar continuidade à instrução, que já havia sido iniciada pelo magistrado titular da Comarca, tanto mais que o Tribunal, examinando a matéria, entendeu que o feito deveria continuar em andamento (fls. 482/484 e 546).
Entretanto, a petição inicial descreve um fato concreto – a prática de tortura contra DIEGO DE FREITAS – a configurar, igualmente, ato de improbidade administrativa. É inexorável, destarte, que o reconhecimento da prática de tortura é condição “sine qua non” à qualificação da conduta como violadora de princípios da Administração. Assim, é preciso investigar se houve, ou não, de fato, a prática da tortura, e a solução dessa questão prévia decidirá se o fato enquadra-se na previsão do art. 11, “caput” e inciso I, da Lei 8.429/1992.
A acusação foi da prática da tortura-confissão, prevista no art. 1.º, I, “a”, da Lei 9.455/97, que tem a seguinte redação:
“Art. 1.º Constitui crime de tortura: I – constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; (...)”.
O mencionado tipo penal, no dizer da abalizada doutrina de Alberto Silva Franco, tem como objetivo a tutela das garantias constitucionais básicas do cidadão, não apenas em relação aos agravos realizados por funcionário público, mas também no que tange aos abusos praticados por qualquer pessoa (Leis Penais Especiais e sua Interpretação Jurisprudencial, RT, 7.ª edição).
É crime comum, podendo ser praticado por qualquer indivíduo. No que se refere ao sujeito passivo do delito, o mencionado exegeta tece a seguinte observação: “o sujeito passivo, na modalidade de conduta consistente em 'constranger', é representado pelo vocábulo 'alguém' que tem o significado de 'qualquer pessoa'” (op. cit., p. 3.103).
O verbo-núcleo do tipo, “constranger”, na mesma linha de pensamento exposta, apresenta a estrutura gramatical de um verbo transitivo, que exige, como dados essenciais da própria ação, complementos verbais, ou seja, objeto direto e indireto e, além desses complementos, um adjunto adverbial de modo. Nessa concepção tipológica, “constranger” significa “forçar”, “coagir”, “violentar”.
O objeto direto é designado pelo vocábulo “alguém”. O objeto indireto (a quê esse “alguém” será “submetido”) consubstancia-se na expressão “sofrimento físico ou mental”. E não para aí. Há que se perquirir o adjunto adverbial de modo, que deve, necessariamente, acompanhar os procedimentos executados, ou seja, o emprego de violência ou grave ameaça. A violência, consoante o comentarista aludido (citando Heleno Cláudio Fragoso), traduz-se no emprego de força física para efeito de vencer a resistência do ofendido e a grave ameaça consiste na revelação do propósito de causar um mal futuro cuja superveniência dependerá da vontade do agente.
Muito se questiona, dentre os doutos, a imprecisão das locuções “sofrimento físico” e “sofrimento mental”. O autor já referido apresenta algumas sugestões, colhidas em instrumentos normativos estrangeiros: “acto que consista em infligir sofrimento físico ou psicológico agudo, cansaço físico ou psicológico grave ou no emprego de produtos químicos, drogas, ou outros meios, naturais ou artificiais, com intenção de perturbar a capacidade de determinação ou a livre manifestação da vontade da vítima”; “meios ou métodos de tortura particularmente graves, designadamente espancamentos, electrochoques, simulacros de execução ou substâncias alucinatórias”; e ainda a opinião dos autores do Esboço de Projeto de Reforma da Parte Especial do Código Penal brasileiro, para quem constituem “atos de tortura, para fins penais, todo ato doloroso ou produtor de sofrimentos físicos, como golpes com o emprego ou não de instrumentos, choques elétricos, queimaduras, posições forçadas, violação ou agressão sexual, exposição a frio, submersão em água para produção de asfixia parcial, ataques para rompimento do tímpano ou qualquer outro ato equivalente que produza dor ou sofrimento físico” (id., ib.).
O elemento subjetivo do tipo abrange o dolo (o sujeito deve empreender a conduta típica com consciência e vontade endereçadas à realização da tortura), e, além disso, conforme a qualificação do fato pelo Ministério Público, o sujeito ativo da infração deve atuar com a finalidade de obter informação, confissão ou declaração da vítima. “Trata-se, no caso, da presença, na estrutura do tipo, de elementos subjetivos que devem acompanhar a ação física posta em movimento pelo agente. Assim, o constrangimento de alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causadoras uma e outra de sofrimento físico ou mental, só terá condições de viabilizar-se tipicamente quando o agente atua como fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa” (id., p. 3.105). Em suma, o constrangimento deve visar a um fim, que, no caso, é o propósito de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa. Como leciona Alberto Silva Franco, “sem a existência de qualquer desses dados anímicos, a figura da tortura não se completa, do ponto de vista típico, embora possa dar origem a fato criminoso de diversa qualificação jurídica” (op. cit., p. 3.104).
Pois bem. Aplicando as noções doutrinárias ao caso sob julgamento, observei, no que concerne à materialidade, que não houve laudo de exame de corpo de delito, a comprovar as lesões sofridas pela vítima, muito menos que essas derivavam da prática de tortura. Tal critério, tenho para mim, no que pertine ao aspecto corporal (sofrimento físico), é objetivo. Há que se buscar, em Laudo elaborado por médicos peritos, se os réus infligiram ao suposto ofendido agressões físicas tão graves ao ponto de a vítima ser acometida de sofrimento físico, apto a caracterizar a tortura.
Com todo o respeito que se deva ter pelas testemunhas ouvidas, uma delas advogado conceituado nesta Comarca, que relatou ter visto DIEGO lesionado, a verdade é que as impressões subjetivas de testemunhas não podem prevalecer sobre um Laudo Pericial (interpretação conjugada das previsões dos arts. 158 e 213, do CPP). Não se nega a possibilidade do exame de corpo de delito indireto (CPP, art. 167). Todavia, as garantias do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa, da taxatividade e da lesividade dos tipos penais, foram conquistadas a duras penas, em lutas travadas por milênios contra os abusos daqueles encarregados da persecução criminal. E viola, a não mais poder, essas garantias, o entendimento pela caracterização de tipo penal tão grave, sem a existência de Laudo que descreva o sofrimento físico que teria sido provocado na vítima.
Ainda que se entenda, com base no depoimento da testemunha JOHN, que o réu apresentava lesões, não há elementos concretos a concluir que essas implicaram em sofrimento físico ao ofendido. E mais, houve a narrativa de que o suposto ofendido, indivíduo reconhecidamente perigoso e envolvido em crimes violentos na cidade, segundo testemunhas ouvidas, reagiu à prisão, sendo necessário o uso da força, para dominá-lo. Levantou-se, bem assim, a suspeita de que a indigitada vítima teria ela mesma se machucado, no intuito deliberado de provocar a celeuma, e ver-se livre das acusações que pesavam contra si. Deste modo, há de prevalecer o princípio “in dubio pro reo”, não havendo, objetivamente, como imputar as referidas lesões a golpes praticados pelos acusados, em sessão de tortura.
Também o sofrimento mental, para se concretizar, deve estar inserido em um contexto de gravidade que, sob hipótese alguma, pode ser aplicado à situação provada no curso da instrução. As ações dos policiais, de imobilizar a vítima, bem como de conduzi-la, à força, para a viatura, deveram-se, consoante os próprios demandados, da postura agressiva do ofendido, que dizia ser protegido, e que seria solto de imediato, estando, pois, no âmbito da legalidade, uma vez que, na condição de agentes da Lei, tinham o poder-dever de fazer cumprir sua autoridade e a ordem judicial. Além disso, competiria à vítima narrar, sob o crivo do contraditório, em que consistiu seu sofrimento mental, sendo que, lamentavelmente, morreu no curso deste processo, aparentemente por envolvimento com o narcotráfico.
Ainda que outra possa ser a conclusão acerca da materialidade, melhor sorte não merece a acusação quanto à autoria, tendo em vista a fragilidade probatória, para um decreto condenatório seguro, estreme de dúvidas.
Os réus foram categóricos ao negar que tenham praticado qualquer violência excessiva contra a vítima, tendo apenas admitido o uso moderado da força contra o ofendido, para contê-lo.
A única versão que destoa daquela apresentada pelos réus é a do ofendido que, repita-se, neste processo sequer foi ouvido. Note-se, a propósito, que, das testemunhas mencionadas pelo Ministério Público, várias tinham algum envolvimento com a vítima, e nenhuma delas presenciou o ocorrido; algumas, até, respondiam a inquéritos policiais, o que torna seus depoimentos suspeitos, diante da animosidade contra os réus, policiais que efetuaram suas prisões.
Não se pode olvidar, outrossim, que a palavra do ofendido é vista com reservas pelo ordenamento jurídico, tanto que, no processo penal, não presta depoimento, mas declarações, diante de seu envolvimento emocional com o episódio. Para se fazer valer frente a outros meios de prova, as declarações da vítima devem ser harmônicas, coerentes, e há que se observar seus precedentes bons costumes e sua honestidade.
Não é, porém, a hipótese dos autos. Além das contradições apontadas, há de se salientar que o ofendido era suspeito da prática de inúmeros fatos criminosos, dentre eles roubos, furtos e homicídios, resistiu à sua condução até a Delegacia e desacatou os agentes de polícia civil. Longe, portanto, de ser uma pessoa com índole pacata, boa conduta social, alguém cuja versão deva se sobrepor às versões dos réus, policiais que gozavam, até então, de bom conceito na sociedade carirense.
Ademais, é preciso esclarecer que a versão do ofendido, a única a sustentar a versão do Ministério Público, não permite clarificar a intenção dos acusados (se obter confissão ou puni-lo), pois em nenhum momento a vítima admitiu que se portou de forma agressiva, ou que resistiu à sua prisão. Disse, tão-só, que o espancamento ocorreu para que ele confessasse a prática delituosa.
Nesse ponto, é preciso lembrar que a tortura imputada aos réus, consoante afirmação do ofendido, seguida pelo Ministério Público, possui elemento subjetivo do tipo específico – o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima. No caso dos autos, contudo, acredito que em nenhum momento houve a comprovação da finalidade confessional, na conduta alegadamente praticada pelos réus contra a suposta vítima. Aliás, sequer haveria a necessidade, uma vez que os fatos ocorreram após o cumprimento de um mandado de prisão preventiva, oriunda deste Juízo. Não existiria motivo, desta forma, para se extrair a confissão da suposta vítima, uma vez que já haviam sido reconhecidos, pelo Poder Judiciário, indícios suficientes de autoria delituosa, no feito contra si em andamento, tanto que foi decretada sua custódia cautelar.
Ainda no que tange ao elemento subjetivo, excluída a necessidade da confissão, restaria a intenção de castigar. Mas se a vítima não reagiu à prisão, nem se portou de forma agressiva com os policiais, onde estaria a finalidade punitiva, a permitir a incidência do inciso II, do art. 1.º, da Lei 9.455/97?
Em resumo:
1. não se pode concluir pela configuração do tipo do art. 1.º, I, “a”, da Lei 9.455/97 (“tortura-confissão”), posto não existir laudo comprobatório do sofrimento físico que alegadamente sofreu a vítima, nem ela foi ouvida, nestes autos, sob o manto sagrado do contraditório, para dizer em que consistiu seu sofrimento mental (se é que existiu); o contexto em que os fatos se deram – cumprimento de mandado de prisão preventiva – afasta, bem assim, a necessidade da atuação dos réus voltada à consecução do elemento subjetivo do tipo específico, no caso, obter a confissão do suposto ofendido, tendo em vista a existência de elementos suficientes de autoria, aptos, inclusive, à decretação de sua custódia cautelar;
2. igualmente deve ser descartado o enquadramento da conduta dos réus nos elementos objetivos e subjetivos dos tipos do art. 1.º, II e § 1.º, da Lei 9.455/97, uma vez que não restou evidenciado nos autos o sofrimento físico ou mental (puro ou intenso), exigido pelos tipos à sua concretização, e o único elemento de prova a sustentar a acusação é a versão do ofendido, que em nenhum momento admitiu ter agido de forma agressiva, fazendo cair por terra, desta forma, a finalidade punitiva da suposta tortura; e
3. por fim, ainda que se entenda que a vítima apresentava lesões corporais (consoante a versão da testemunha JOHN PRADO DONALD), não há prova suficiente para a condenação dos réus, haja vista que a única explicação destoante daquela apresentada pela Defesa à existência dessas lesões (uso moderado da força, no cumprimento do mandado de prisão, diante da reação do ofendido) é a de DIEGO DE FREITAS; suas declarações, no entanto, são demasiadamente suspeitas, dado o seu noticiado envolvimento na criminalidade organizada, e inaptas, assim, para sustentar um decreto condenatório; isso sem falar que, nos presentes autos, não foi colhido o seu depoimento, sob o crivo do contraditório e perante o juiz natural; os depoimentos dos presos, até em decorrência de sua situação e do interesse em desprestigiar aqueles que os encarceraram, são igualmente eivados de suspeição, sendo que ninguém, além dos próprios envolvidos (réus e pretensa vítima), poderia dizer o que, realmente, aconteceu.
Uma vez excluída a ocorrência do crime de tortura, em qualquer de suas modalidades, há de se afastar a configuração da prática de ato de improbidade administrativa, motivo pelo qual o pedido não pode prosperar.
III. DISPOSITIVO
Diante do exposto, não tendo sido provada a prática do crime de tortura, em qualquer de suas modalidades, o que exclui a incidência do art. 11, “caput” e inciso I, da Lei 8.429/92, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO.
Sem condenação em custas e honorários.
Após o trânsito em julgado, façam-se as devidas anotações e arquivem-se.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Juiz(a) de Direito
GLAUBER DANTAS REBOUÇAS

Nenhum comentário:

Postar um comentário